domingo, julho 7, 2024
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    O grão que nos conquista

    Foto: Tony Oliveira

    A potência de um dos mercados mais exigentes do mundo é sustentada pelos pequenos produtores

     

    Por Hulda Rode

    Em casa, no trabalho ou nas cafeterias, quando o aroma exala sabe-se que ele já está pronto. O perfume no ambiente convida qualquer pessoa a aceitar um cafezinho. Mais que saborosa é essa bebida, é compreender as suas contribuições para a economia global.

    No Brasil, a cafeicultura está ligada desde os tempos do Império aos dias de hoje. Plantado em solos férteis há mais de 300 anos, o café lançou a base pioneira para o comércio exterior, formou classes sociais, povoou cidades e municípios, gerou empregos diretos e indiretos, moldou costumes e hábitos, tornando-se símbolo nacional e de tamanha expressão esse grão conquistou o mundo.

    O País se mantém no posto de maior produtor, maior exportador e o segundo maior consumidor de café do mundo. Estatísticas da Companhia Nacional de Abastecimento apontam que em 2018, os brasileiros deverão produzir 59,9 milhões de sacas de 60 kg, e o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), registrou um total de 23,6 milhões de sacas exportadas até o mês de setembro desse ano. O consumo interno é projetado em 22 milhões de sacas.

    Parte significativa desse protagonismo no campo deve-se ao cooperativismo agropecuário. Essa atividade coletiva rende quase 50% do PIB agrícola, é o que revela um levantamento da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), e no cenário cafeeiro, o volume é ainda maior, 48% de tudo o que é produzido no campo passa por uma das 104 cooperativas em atividade com café no País.

    Segundo dados do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop), desse total, 59 estão em Minas Gerais, 14 no Espírito Santo, 13 em São Paulo, 7 no Paraná, 5 na Bahia, 1 em Goiás e no Rio de Janeiro, 2 em Rondônia e 2 no Mato Grosso.

    Já o Censo Agropecuário, conduzido pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), aponta que dos 300 mil produtores de café, 80% são pequenos e médios, e 20% são os grandes.

    As cooperativas contribuem para manter o agricultor no campo, viabilizam assistência técnica de qualidade e possibilitando a transferência de tecnologia, fornecimento de insumos, armazenagem, processamento, comercialização e indústria de torrefação, agregando à produção de seus cooperados.

    A OCB estima que o café está entre os principais produtos comercializados diretamente pelas cooperativas brasileiras no mercado internacional, ultrapassando o montante de US$ 700 milhões no ano de 2017. As cooperativas foram responsáveis por pouco mais de 13% do valor comercializado de cafés pelo Brasil no mercado externo.

    Para o presidente da OCB, Márcio Lopes de Freitas, as cooperativas cumprem o seu papel, social e econômico, porque é organizando os produtores que dá a ele, acesso a mercados, informação, tecnologia, plantas melhores, redução de custos e ao mesmo tempo agregação de valor, com produtos de melhor qualidade.

    “A cooperativa é a luva para a mão do produtor. Além disso, ela gera crescimento, porque consegue juntar os pequenos, médios e grandes produtores, e fazer esse negócio virar grande. E a cooperativa é capaz de fazer isso, mantendo um processo equilibrado de justiça, e durante esse período de crise da cafeicultura como estamos vivendo, é a diferença entre a sobrevivência e o desaparecimento”, explica.

    Foto: Wenderson Araujo

    Força do cooperativismo

    Na região mineira, uma cooperativa que se destaca é a Minasul. Hoje ela conta com 7.200 cooperados, sendo que 85% são pequenos produtores. Para o presidente e também conselheiro diretor do Conselho Nacional do Café, José Marcos Rafael Magalhães, a cooperativa tem uma atenção especial para o pequeno produtor, propiciando o acesso às ferramentas digitais e novas tecnologias, como os serviços de última geração, como a telemetria, e o produtor pagará o valor conforme seja o seu hectare, e também vão disponibilizar ferramentas que possibilitam a previsão de safra, por meio de imagens de satélites.

    “Embora sejam pequenos produtores, eles representam 50% da produção da nossa cooperativa. É muito importante, e nós precisamos dele. Com esse pensamento coletivo, nós conseguimos escala com os nossos fornecedores, ou seja, compramos insumos mais acessíveis, e isso dá condições para todos os nossos cooperados para estarem mais viáveis economicamente. Uma coisa é você comprar 100 mil de adubo de um fornecedor, e outra coisa é comprar 200 mil toneladas. Então, a gente tem um poder de barganha muito maior e conseguimos preços melhores, e isso é distribuído democraticamente entre os grandes e pequenos produtores”.

     

    Sustentabilidade

    Uma das iniciativas que promovem a sustentabilidade na cafeicultura é a Plataforma Global do Café. Presente em 8 países, ela tem o propósito de oferecer boas condições de vida para agricultores e trabalhadores e assegure sua permanência na atividade enquanto protege os recursos naturais.

    Uma ferramenta importante da plataforma é o Currículo de Sustentabilidade do Café, ele é um documento que orienta o produtor os caminhos para tornar a propriedade de café sustentável, com gestão eficiente, economia de insumos, controle da produtividade, qualidade do café e controlar os custos da produção. Outro benefício é informar sobre o cumprimento da legislação, o que possibilita ter mais segurança e melhor organização da propriedade.

    Samara Batista, consultora da cooperativa Cooabriel (ES) utiliza uma plataforma para desenvolver práticas sustentáveis nas propriedades de café. Foto: Divulgação

    Uma parceira do cafeicultor que está implementando esse projeto   é a Cooperativa Agrária dos Cafeicultores de São Gabriel (Cooabriel) a maior cooperativa de café conilon do Estado do Espírito Santo com 55 anos, sediada no município de São Gabriel da Palha, e atuação no Norte e Noroeste do Espírito Santo e no Extremo Sul da Bahia, conta com 5.858 cooperados, e em 2017 obteve um faturamento anual na ordem de quase R$ 300 milhões.

    Segundo a consultora técnica da Cooabriel, Samara Batista,  a plataforma  com suas ferramentas pode transformar o trabalho do produtor, pois colaboram para mensurar a sustentabilidade. “É fundamental ter indicadores ter parâmetros, e a plataforma oferece várias ferramentas que facilitam muito o dia a dia nosso aqui, por exemplo, no início de 2018 começamos a utilizar o currículo e o aplicativo, e eles permitem gerar relatórios e nos dão subsídio para elaborar um plano de ação, organizar trabalhos e projetos junto com os produtores”, explica.

    Na avaliação de Samara, a importância do cooperativismo agropecuário no desenvolvimento regional é também no recolhimento dos impostos, o que gera receita para o município e para o Estado. Para a população também reverte em benefícios como a geração de empregos.

    “A cooperativa oferece assistência técnica, oferece insumos e defensivos a um preço mais acessível, e tudo isso vai favorecendo o produtor a melhorar a sua produção, então tendo produção melhor ele vai ter mais recurso para investir na propriedade de novo, vai adquirir um bem, vai gastar mais no mercado, tudo isso vai melhorando a economia regional”, defende.

    Outro modelo de negócio que ganha novos adeptos no universo do café, são os clubes de assinaturas de cápsulas. Gabriel Barruffini, CEO do Club Smile, desenvolveu um empreendimento para comercializar assinaturas de cápsulas junto com os produtores.

    O protótipo teve início em setembro de 2018, em Ribeirão Preto (SP), e a proposta é atrair outros pequenos produtores e também desenvolver parcerias com cooperativas. Pela prática, esse clube de assinaturas funciona como uma loja virtual, no qual as pessoas vão comprar diversos tipos de cafés e de diferentes produtores.

    O interesse pelos pequenos produtores começou, pois são responsáveis pela locomotiva cafeeira. “A gente que dá esse olhar especial porque o pequeno produtor leva o Brasil para outro patamar. São eles que têm grande possibilidade de crescer e de ter qualidade, porque os processos são complexos, e às vezes um trabalho familiar barateia os custos, uma fazenda que vai investir em colheita seletiva, por exemplo, para ele contratar pessoal é muito caro, então dificulta e interfere na qualidade do café, e o pequeno se destaca porque pega mão de obra de dentro de casa, e isso é muito importante, principalmente para o desenvolvimento das comunidades, porque estimula as pessoas para que no futuro tenhamos uma cafeicultura voltada para a qualidade para o café especial”.

     

    Fazenda Santa Monica, localizada na região de Machado no Sul de Minas Gerais. Foto: Divulgação

    Qualidade

    Referência na produção de café gourmet no Brasil, a cultura cafeeira é parte da família Moscofian desde a década de 1950 com o cultivo dos grãos na fazenda Santa Monica, localizada na região de Machado no Sul de Minas Gerais. Após uma jornada de estudos, visitas à Europa e torrefadoras e fazendas no Brasil, o fazendeiro Arthur Moscofian Jr. decidiu oferecer ao mercado brasileiro um café Premium e de qualidade única.

    Após realizar diversas pesquisas, Arthur desenvolveu um sistema de plantio sustentável com fertirrigação por gotejamento que aumenta a produtividade da área cultivada e garante um percentual de até 60% de grãos 100% arábica com características gourmet.

    O café é acompanhado desde o nascimento do fruto, passando por uma rigorosa seleção, torrefação com máquinas e processos exclusivos para garantir a integridade dos grãos e embalagens que preservam o aroma e o sabor por mais tempo.

    Marcelo Moscofian, CEO do Café Gourmet Santa Mônica. Foto: Divulgação

    Na visão do CEO do Café Gourmet Santa Mônica, Marcelo Moscofian, ao longo dos anos a empresa desenvolveu iniciativas que visam a qualidade do café, e na região de Minas Gerais foi o Estado onde teve maior evolução dos cafés especiais. Parte desse crescimento, observa uma articulação junto às cooperativas. Hoje a marca possui vínculo com uma cooperativa na região de Machado, e recebe o apoio para a compra de insumos, adubos e fertilizantes.

    Marcelo destaca que as cooperativas estão se profissionalizando para contribuir no crescimento dos produtores.

    “Antes a cooperativa funcionava uma trade, ela comprava do produtor e revendia, esse era o principal negócio delas. Hoje ela é um apoio ao produtor de café, na compra e na venda. Eles têm máquinas que limpam, selecionam bebidas, eles facilitam o produtor a conhecer com se faz um bom café”.

    Também atento ao desenvolvimento regional, o Café Gourmet Santa Mônica possui uma iniciativa social junto com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) que fomenta a formação de jovens baristas.

    “Oferecemos aos jovens carentes e da comunidade o curso de barista. Ele participa de todo o treinamento, com especificação, tem a oportunidade de ir para a fazenda conhecer todos os processos, e o mais importante, após o curso, ele sai empregado em clientes da nossa empresa. Somente nesse ano, mais de 100 jovens concluíram o curso. A gente faz isso, porque é um profissional que sai habilitado, capacitado, e divulgar os cafés especiais, de pouquinho em pouquinho que a gente vai plantando e essa é a nossa ação social difundindo cafés especiais”.

     

    Agricultura 4.0

    A cafeicultura está presente na família Zanetti há mais de 100 anos. Após assumir a fazenda, localizada no município de Batatais, interior do Estado de São Paulo, o papel do produtor rural Rafael Zanetti tem sido o de alinhar conhecimento, passado de geração em geração, com o uso de novas tecnologias, tendo como seu principal objetivo melhorar a qualidade e eficiência da produção de café.

    Neste contexto, há mais de um ano, encontrou uma plataforma de agricultura digital, o que precisava para conseguir melhorar a tomada de decisão ao longo da safra, reduzindo custos e aumentando a qualidade e eficiência da produção.

    Na família Zanetti, de Batatais (SP), o papel de Rafael Zanetti (à esquerda) tem sido o de alinhar conhecimento, com o uso de novas tecnologias para melhorar a produção de café. Foto: Agrosmart

    “Nos primeiros meses em que começamos a utilizar o sistema da Agrosmart na tomada de decisão na irrigação, a gente chegou a ter uma economia entre 30 a 40% na conta de energia, ajudando muito na tomada de decisões. Eu já tenho percebido hoje nos cafés uma qualidade no grão superior aos outros anos. Mesmo com a dificuldade de comunicação, aqui na propriedade, não tem internet e o sinal de celular é muito ruim, essa empresa conseguiu fazer a instalação do sistema para me manter informado em tempo real com os dados”, explica Zanetti.

     

    ©Grupo Rede de Mídias Brasil. Revista RDM Rural.

    Data da Publicação: 26 de outubro de 2018, às 20h12.

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